A partir de janeiro de 2008, Brasil, Portugal e os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ― Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste terão a ortografia unificada. O português é a terceira língua ocidental mais falada, após o inglês e o espanhol.
A ocorrência de ter duas ortografias atrapalha a divulgação do idioma e a sua prática em eventos internacionais. Sua unificação, no entanto, facilitará a definição de critérios para exames e certificados para estrangeiros. Com as modificações propostas no acordo, calcula-se que 1,6% do vocabulário de Portugal seja modificado. No Brasil, a mudança será bem menor: 0,45% das palavras terão a escrita alterada.
Mas apesar das mudanças ortográficas, serão conservadas as pronúncias típicas de cada país.
Enquanto não houver um vocabulário ortográfico comum, o Acordo Ortográfico de 1990 não terá uma aplicação sensata nem uniforme. Nos últimos dias, tenho visto como as confusões à volta do conceito de dupla grafia já vão fazendo estragos. Os falantes não se entendem e, ainda pior, os linguistas também não. Haverá dupla grafia quer no âmbito da língua portuguesa como um todo, ou lusofonia, como agora se diz, em especial na oposição variante brasileira/variante luso-afro-asiática, quer no âmbito mais restrito da mesma comunidade linguística. Assim, no âmbito mais alargado, no Brasil continuará a escrever-se, por exemplo, fato e recepção, o que corresponderá a facto e receção em Portugal. No âmbito da mesma comunidade, a oscilação de pronúncia relativamente às consoantes mudas c e p (cacto e cato, dicção e dição, sector e setor, etc.) também conduzirá a uma legítima dupla grafia. É assim errada a noção, largamente difundida, de que o novo acordo ortográfico permite uma ampla liberdade na grafia.
A Associação dos Professores de Português vai pedir amanhã no Parlamento mais horas para o ensino da língua materna, sugerindo também o desdobramento das turmas nas aulas de gramática e produção escrita. “Os alunos do Ensino Básico actualmente só têm três horas de Português por semana. Portugal é o país da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico com menos horas de língua materna”, disse à Agência Lusa o presidente da APP, Paulo Feytor Pinto, na véspera de uma audição na Comissão de Educação da Assembleia da República (AR).
Os representantes dos professores de Português deslocam-se à AR a pedido dos deputados, na sequência do parecer que enviaram dia 23 de Fevereiro sobre a revisão dos programas de Língua Portuguesa do 1.º ao 9.º ano.
Para Paulo Faulo Feytor Pinto, o novo programa tem aspectos positivos, mas esbarra com a falta de preparação dos professores para novos métodos, nomeadamente no ensino da gramática, e com a ausência de experiências para saber se está adequado aos grupos etários a que se dirige, em termos de conteúdo e quantidade de texto literário.
Os professores de Português estão também preocupados com a avaliação dos alunos em termos quantitativos, porque em todo o documento, diz o presidente da APP, “há um total descartar desta questão”.
“Faz-se um grande esforço para se evitar falar de avaliação. Só é referida em três ocasiões”, afirmou Paulo Feytor Pinto.
No seu parecer, a APP manifesta-se surpreendida e diz ser “inaceitável o tratamento que (não) é dado à avaliação”.
O presidente da Associação alerta também que a generalidade dos professores de Português no activo não foi formada para os programas actuais.
“Os programas são importantes, mas só vai resultar se houver mais horas de aulas por semana”, defendeu.
O ensino da gramática, por exemplo, abandona o método tradicional, em que o professor explica e o aluno aplica nos exercícios.
“O ensino experimental é ao contrário. Os alunos, orientados pelo professor, vão tentar descobrir a regra e depois confirmá-la”, explicou Paulo Feytor Pinto, exemplificando que os professores não foram preparados para esta modalidade.
Por outro lado, afirma, os programas propõem que o trabalho de escrita seja feito na sala de aula, mas com três horas por semana e turmas de 30 alunos “é impossível”.
A APP reconhece a necessidade de acompanhamento na sala - em vez de mandar todo o trabalho escrito para casa - para que os alunos não cheguem ao 12.º ano a “escrever mal”, mas questiona “como vai um professor supervisionar turmas de 30 alunos”.
O Português é uma “obra-prima” vítima de “um processo de banalização gravíssimo” e a parcela de palavras empregues é “ínfima” face às possibilidades, afirma o filólogo Artur Anselmo, presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.
Para Artur Anselmo, o Português está a ser vítima de uma banalização que faz com que, cada vez mais, “as pessoas falem todas da mesma maneira”, empregando “uma parcela ínfima” dos vocábulos ao seu dispor.
“Nós temos 110 mil palavras dicionarizadas ― e não falo nas locuções, que aí iríamos para as 300 mil ― e o Português básico está reduzido a menos de mil palavras, o que é péssimo”, declarou, criticando “esta falta de variedade, esta uniformidade em que caímos”.
“O verbo ‘pôr’ está a desaparecer, hoje toda a gente ‘mete’, diz-se ‘meto a mesa’ em vez de ‘ponho a mesa’ e isto é mau. O verbo ‘fazer’ também está a desaparecer: já ninguém ‘faz’ perguntas, toda a gente ‘coloca’ questões”, exemplificou o filólogo.
Na sua opinião, “os portugueses complicam desnecessariamente uma língua que é uma obra-prima da nossa História” quando “o simples é o contrário do banal ― falar com simplicidade, é falar bem, não é falar difícil nem com estereótipos banalizados”.
“O purista acabou, aquele indivíduo que nos dizia constantemente as regras da língua” já não existe, considerou Artur Anselmo, para quem a ortografia é importante sobretudo para “ajudar à pronúncia correcta”.
“Agora, o que é a pronúncia correcta, a chamada ortoépia?”, questionou-se, recordando que, tradicionalmente, se considerava que, no caso de Portugal continental, essa pronúncia passava numa isoglossa (fronteira geográfica de uma certa característica linguística) “situada aproximadamente entre a Mealhada e Leiria”, dando-se como exemplo o ‘falar de Coimbra’, “devido ao prestígio da erudição universitária”.
Nada de eufemismos: há muitos lunáticos a escreverem para a secção de correio dos jornais e das revistas. Por vezes, porém, há textos úteis — que não são de lunáticos. O texto que transcrevo, com uma vénia à publicação e sobretudo à autora, saiu na edição de 21 de Fevereiro da Notícias Sábado e está assinado por Berta Brás: «Andar à tona, à babugem, aos caídos, à roda; mandar/ir à fava, ou à… (isso que se diz em caso de crise); atirar/lançar/mandar às malvas ou às urtigas; viajar à borla; morrer à míngua de, chegar — ou não — aos calcanhares; ir/vir àboleia, ficar à mercê… E muitas mais expressões, formadas, a sério, por verbo seguido de complemento adverbial constituído por artigo contracto por meio de crase com a preposição a e por substantivo abstracto ou concreto. Mas hoje em dia prolifera oralmente ou por escrito o abortoà séria, formado não por substantivo, mas por um adjectivo feminino, chegado dos confins da inércia educativa. Poupemos carinhosamente os meninos e meninas, que não precisam de fixar tabuadas, porque as contas fazem-se nos computadores, nem de distinguir o adjectivo do substantivo ou do verbo, deixemos este navegar pelos faze-mos que assim curti-mos a vida sem preocupação pelo correcto, repetindo à exaustão o tu dissestes ou mandastes, ou o hadem e o hades e o houveram e o diz a ela porque o pronome lhe se eclipsou, e o por aí fora dos dislates sem nome com que a própria televisão nos “favorece” a cada passo, em traduções descuidadas, ou até na oralidade precipitada daqueles cuja promoção nos cargos foi favorecida, talvez, não por concursos “a sério”, mas por processos sem seriedade, muito nossos. Mas temos tanto já com que nos preocupar, na crise em que mergulhamos, que os “pontapés” na gramática portuguesa são bem de pouca monta» («Gramática», p. 58).
A autora há-de ser a Prof.ª Berta Henriques Brás, ex-docente de Filologia Românica no Liceu Nacional de Aveiro, em Lourenço Marques e, a partir de 1976, em escolas do distrito de Lisboa, e autora de várias obras, entre elas uma síntese comentada de Os Maias e uma, Melodiasdo Passado, disponível em linha, aqui.