segunda-feira, 27 de julho de 2009

História e estória

Uma palermice?

«Ao burro associam-se muitas estórias e, não raras vezes, qualidades pouco abonatórias» («Com o burro por companhia», Patrícia Carvalho, Público/P2, 25.07.2009, p. 8). José Neves Henriques, que lembrou que no português medieval se escrevia historia, estoria, istoria, não teve pruridos em escrever: «É uma palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de história.» Este estudioso da língua recorreu a uma comparação para se perceber melhor a sua argumentação: «Seria ridículo começarmos, por exemplo, a empregar homem para indicar o ser humano em geral, isto é, a espécie humana, a humanidade; e omem, para designar qualquer ser humano do sexo masculino, como por exemplo em “aquele omem que está ali”, “o omem (= marido) da Joana”, “sanitários para omens”, etc.» Isto porque no português medieval, quando a ortografia ainda não estava fixada, se escrevia indiferentemente homem, omé, omee (com til no primeiro e).

Fonte: Assim Mesmo

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Chico-esperto/ chicos-espertos

«É a autodefesa do autoplágio: a partir dos 40 anos, a memória já não era (que nós nos lembremos) o que era e, para que nenhum chico-esperto apareça a fazer nhá-nhá-nhá, tapamos o rabo com um simples “Já não é a primeira vez que digo que…”» («Como eu já disse (I)», Miguel Esteves Cardoso, Público, 17.03.2009, p. 47). «“Estes tipos são o português vernáculo que a gente encontra e, curiosamente, não é só nas camadas mais populares. Há chico-espertos em todas as classes”, comentava José Pedro Gomes, poucas horas antes de entrar em cena» («Toni e Zezé despedem-se da treta... até um dia destes», Maria João Caetano, Diário de Notícias, 22.07.2009, p. 45). Um consultor do Ciberdúvidas, Luís Filipe Cunha, diz que «de acordo com o Dicionário da Academia das Ciências, ed. Verbo, o único de entre os dicionários consultados onde a expressão aparece, a grafia correcta é chico esperto, sem hífen». Lancemos mão da analogia. Maria-rapaz, por exemplo, em que, em vez de um nome e um adjectivo, temos dois nomes. Leva hífen. Não descortino nenhuma razão (e espero que o consultor não entenda a referência ao dicionário da Academia das Ciências como um argumento de autoridade) para não se escrever chico-esperto. Já quanto à forma do plural, concordo com o referido consultor: «Tratando-se de uma estrutura formada por um nome e por um adjectivo, ambas as formas pluralizam, já que devem concordar em género e número», dando origem a chicos-espertos.

Fonte: Assim Mesmo

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Deve a escola permitir o uso da linguagem abreviada utilizada nos telemóveis?

Linguagem abreviada dos telemóveis chega à escola

Tendência. Jovens levam a sua escrita rápida das mensagens para os trabalhos da escola e há professores receosos de que isso os confunda na aprendizagem correcta do Português. As escritoras Lídia Jorge e Isabel Alçada defendem que escola e professores não podem transigir no rigor da língua

Há jovens que usam escrita de 'msn' nos testes

Nas mensagens que a toda a hora trocam entre si por telemóvel, ou na comunicação instantânea do messenger, os adolescentes não têm tempo a perder. As palavras transformam-se, por isso, em abreviaturas povoadas de "k" e "x" e há sinais que ganham usos criativos, como os parêntesis, prontamente transformados em sorrisos, ou tristeza. A prática está de tal forma generalizada, que já chegou aos trabalhos e aos testes da escola. Os alunos admitem-no, os professores confirmam.

"Usei muito as abreviaturas, até mesmo nas fichas escolares. Por exemplo, em vez de 'porquê' colocava 'pk' e tirava todas as vogais da palavra 'contigo'", contou à Lusa Carolina Lourenço, de 13 anos, que frequenta a Escola Básica 2,3 Pedro Nunes, em Alcácer do Sal. Os professores não deixaram passar em claro. "Toma atenção, não estás ao computador", disseram-lhe. A mãe também a alertou para "ter mais cuidado com a Língua Portuguesa".

Rosário Antunes, professora de Português no Estabelecimento de Vilamar, no Funchal, que já ensinou em escolas de Castelo de Paiva, Lousã, Portalegre e Porto Santo, disse à Lusa que encontrou esse cenário em todas as escolas por onde passou e, "abrangendo alunos dos 10 ao 17 anos", viu exemplos dessa nova escrita "até nos testes".

Esta professora diz-se preocupada porque, por um lado, os jovens estão a "esquecer-se da pontuação, e a abandonar as cedilhas e os acentos". Por outro, garante, "há colegas de outras disciplinas que não estão para se maçar a corrigir o Português".

Para a escritora Lídia Jorge, este fenómeno não é novo. "Quando dei aulas, os alunos também usavam abreviaturas, que vinham da estenografia. Hoje, o fenómeno é mais generalizado, porque os instrumentos que o facilitam estão disseminados", afirmou ao DN a autora de 'O Vento Assobiando nas Gruas'.

Olhando para esta realidade como uma "linguagem de grupo" e "um fenómeno epocal" ou "de geração", Lídia Jorge considera que ele deve ser assim encarado e acredita que "a síntese de linguagem desta geração" se manterá como tal, se a escola desempenhar o seu papel de garante do rigor da língua" e os professores não consentirem no uso dessa escrita abreviada e sem regras gramaticais e de sintaxe no contexto da aprendizagem. "Faz parte do papel da escola conter a deriva que leva à degradação da língua, e penso que os professores estão conscientes disso", diz a escritora ao DN.

Quanto aos jovens e às famílias, é importante que compreendam que "é a articulação correcta da língua que sustenta o pensamento correcto". Se houver laxismo no uso da linguagem, "não é possível atingir a excelência", alerta a escritora.

A coordenadora do Plano Nacional da Leitura, e também escritora, Isabel Alçada partilha a opinião. "Se no ambiente familiar e na escola for claramente definida a fronteira entre a linguagem abreviada do telemóvel e a escrita necessariamente rigorosa do contexto escolar, os jovens aprendem a distinção e passam a usar as duas linguagens nas situações adequadas", defende. "Se houver o cuidado da correcção, por parte da família e professores, os jovens depressa absorvem o rigor da língua", diz ao DN Isabel Alçada.

Filomena Naves, com Lusa

Diário de Notícias [03.08.2008]

terça-feira, 14 de julho de 2009

Verbo «convir»

Isto diz-lhe respeito, Raul

No programa de informação Este Sábado, na Antena 1, com Rosário Lira, o jornalista Raul Vaz, a propósito dos novos eurodeputados portugueses, disse: «Alguns prometem voltar cedo se o resultado das eleições for aquele que mais convir.» O verbo convir (e os verbos avir, convir, desavir, entrevir, intervir, provir, sobrevir…) conjuga-se como o verbo vir. Logo, o futuro imperfeito do conjuntivo é convier (convier, convieres, convier, conviermos, convierdes, convierem). Se todos temos de ter cuidado com a forma como escrevemos e falamos, muito mais cuidado terá de ter um jornalista. Espero que a dúvida não tenha que ver com o modo. O modo conjuntivo indica a eventualidade e a possibilidade, o que se adequa ao desconhecimento que se tem do futuro. Neste caso, o resultado das eleições. O erro talvez advenha do facto de o futuro imperfeito do conjuntivo e o infinitivo impessoal dos verbos irregulares, e este é-o, terem formas diferentes, ao contrário do que sucede com os verbos regulares, que têm formas idênticas naqueles tempos.

Fonte: Assim Mesmo

sábado, 4 de julho de 2009

«Vontade de»

Ganas

Tal como o jornalista Licínio Lima errou na regência verbal («coibir de»), também a jornalista Patrícia Jesus erra na regência nominal destacada: «Os sindicatos dos professores estão satisfeitos com a vontade demonstrada por Manuela Ferreira Leite para mudar os estatutos do Aluno e da Carreira Docente, o sistema de avaliação e aliviar a carga burocrática dos professores» («Promessa sobre nova avaliação agrada a professores», Patrícia Jesus, Diário de Notícias, 3.07.2009, p. 17). A regência daquele substantivo faz-se com a preposição de: vontade de (como intenção de).

Fonte: Assim Mesmo